Ácido acetilsalicílico

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Não quero te falar, meu grande amor,
das coisas que aprendi nos discos.
Quero lhe contar como eu vivi,
e tudo que aconteceu comigo




Trabalhar em uma drogaria tem aqui suas peculiaridades. E realmente quando você fica das nove da manhã às sete da noite praticamente o tempo inteiro em cima de uma motocicleta, acaba se acostumando às mil coisas que vêm à sua cabeça. Mil músicas, mil sorrisos, mil idéias, mil piadas, mil mimimis, mil assobios, mil pessoas. É mais estranho ainda quando eu me pego imaginando alguém na minha garupa, com diálogos inteiros e etc.

Eu estava acostumado ao trabalho de ter que preparar aula, pensar nos exercícios, caçar um texto bom, uma música num contexto, e isso dá um trabalho e uma certa ansiedade, medo mesmo de um tal ‘fracasso escolar’. Hoje não. Eu acordo, faço tudo que tenho que fazer e vou trabalhar, simples assim.
É claro que uma coisa não tem a ver com a outra. Eu não estou fazendo um elogio da inércia intelectual, mas ter a oportunidade de conhecer os dois lados dessa moeda que é o mundo cão, o mercado de trabalho, a classe média, a dinâmica das relações comerciais, os obrigado viu-obrigado eu, essa experiência é impagável.

Uma vez eu li o Amarante dizendo que “brincar é a coisa mais séria que tem”. E graças a Deus eu conseguia fazer isso antes e agora também. No cursinho você podia fazer piadas quaisquer, piadas sobre a matéria, sobre os textos, sobre o Corinthians, sobre A fresno, piadas sobre os alunos, e essas eram as mais engraçadas.

E olha só minha sorte de hoje: Encontre a felicidade no seu trabalho ou talvez nunca saberá o que é felicidade. E não é que é? Uma entre mil sortes de hoje fazem total e absoluto sentido.
Pra minha sorte lá na farmácia a gente tem algum tempo pras piadas. A começar pelos codinomes que eu fui ganhando ao longo do tempo. O seu Adauto, que sempre é um dos primeiros a aparecer por lá, me chama de Lingüiça, talvez pelo meu porte não muito Atlético. O Ricardo, que se diz meu gerente, me deu uma coleção de apelidos: o mais recorrente é Frango. Depois vem Grilo, Chassi de grilo, Neguinho, Menino fruta, Menina moça, etc. Às vezes aparece, como se não fosse costume da Vila Cardia inteira, o recorrente Jorginho [vai ver ele só fica me apelidando porque perdeu pra mim no braço de ferro. Mas talvez ele só tenha perdido pra mim porque tinha perdido pro Wiliam antes, senão ele com certeza me derrotaria. Mas talvez também ele só tenha perdido pro Wiliam porque, segundo Marx, o braço de ferro reflete as relações de poder da sociedade classista, dominada por quem possui os meios de produção]. O único que eu consegui apelidar com sucesso foi o motoqueiro da Bauru Fórmulas, o Cláudião, que já se tornou o Ghost Rider, ou motoqueiro fantasma, já que ele não consegue pronunciar americanizado assim.

O Wiliam, dono daquelas drogas todas, tarjas pretas, similares, psicotrópicos ou não, não pode me ver chegar da rua com o capacete na mão que diz: “E aí menino Jorge.” É infalível. Ás vezes ele tá ocupado marcando remédio na falta, vendo promoção das lojas Americanas na internet, conferindo nota fiscal, dando conselhos pra senhorinhas [e o vômito, melhorou?], mas o “E aí menino Jorge” é inequívoco.
Talvez vocês não saibam mas existem as piadinhas próprias de farmácia também, como o já famoso ‘Puta que Eparil’. Eparil pros leigos é um tubinho com um liquidinho pro fígado. Tem sempre uns cachaceiro que compram de dúzia.
Tem coisas que eu conto e ninguém acredita. Ontem por exemplo ganhei um chocotone Bauducco, mermão. Tudo bem que eu gosto muito de panetone dos baratos, mas ô, é mór bom o chocotone. Ainda assim, dado. Que será que se passa na cabeça das japonesinhas pra me dar um troço que custa deiz real? Eu tava acostumado com o realzinho da dona Aurora.

E semana passada que eu descobri que o Ricardo anda aprendendo Aramaico. É verdade, caro leitor. A descoberta se deu quando conversava eu com o ‘Marião’, o vendedor churrasqueiro tomador de Eparil, e de repente Ricardo diz: “Ô Wiliam, Kiqueci Icsiziniaqui ?
Silêncio.
Ricardo pega o remédio e ergue.
‘Hixizine’.
Descobrimos então que aquele jovem na verdade estava querendo pronunciar “O que que é esse Hixizine aqui”.

Ah, e estamos em processo de elaboração do novo slogan. A minha proposta é: “Se quiser de analgésico, fale com o Wiliam. Precisando de anti-térmico, converse com o Ricardo; Se precisar de um Efervescente, fala com o Jorginho que ele resolve o teu lance”.
.

em outdoors pela avenida

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008



e a esfinge
da espera
olhos de pedra sem pena de mim

Ad jetivum

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008













Outra vez no meu falecido vaiplanetaa.blogspot.com eu escrevi sobre os adjetivos. Hoje já há algum tempo com o Capivaras eu ainda sou aquela metamorfose inerte: continuo acreditando piamente [de onde será que vem a palavra piamente?] que o adjetivo é a grande força dos textos dessa nossa vã filosofia.
Um cabra que pretenda escrever coisa com coisa deve fazer bom uso dos adjetivos, e principalmente uso de bons adjetivos. por exemplo, trocar a palavra Xuxa por 'Rainha dos baixinhos' é um clichê imperdoável. Melhor chamar ela de Loira potranca que abusa dos rapaizinhos'.
Fazer bom uso deles nãoé pouca coisa, a escolha do adjetivo certo é que determina se as suas abobrinhas valem a pena ou não.
Na ocasião do texto do falecido blog eu citei o exemplo do Camelo e do Vinicius de Morais. Do Camelo dei o exemplo de ‘braços castos’, que além de rimar, e isso é o menos importante, ainda tem um efeito sensorial e subjetivo que juntos soam absolutamente psicodélicos. Do Vinicius de Morais foi o caso de ‘pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza’. Eu acho um bocado interessante quando ele diz que o samba tem que ser ‘triste’ pra ser samba de verdade. O João Gilberto também diz ‘a tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim’. O samba é triste, e a tristeza é senhora. Não fossem os adjetivos a música brasileira seria menos, menos assiiim, ah sei lá, me fugiu a palavra agora.

Fiquei matutando nas palavras daquele samurai do post de ontem:
Navegando pelas páginas e páginas de blogueiros desocupados, li, vi e observei o português quase impecável, a coerência e a estética dos textos. Assim não dá.”
E realmente, às vezes eu acho meus textos quadradinhos assim, meio sem graça. Nada que se compare com o Bruno Medina, que anda com o estilo insuportável ultimamente. Concordem ou não comigo:
É intrigante pensar que as impressões guardadas por aquelas pessoas sobre mim estão tão distantes de corresponder à realidade que praticamente me transformam num estranho em potencial.”
Você entendeu alguma coisa? Então tome mais essa:
O prédio que o abrigava encontra-se em péssimas condições, abandonado devido a um processo de penhor que se arrasta na justiça e causa aperto no coração de todos que, como eu, lá estudaram.” Ah, que saco, que coisinha mais parnasiana. O porém é que Bruno Medina é um parnasiano comedido, não é um parnasiano rocambolesco, não é verdadeiramente fiel à causa maior dos malditos bilaquianos. Bom, queria falar mal da linguagem do Medina e já fiz isso, agora pro próximo ponto de pauta.

Hoje eu tava passando ali perto do Vitória Régia e leio num letreiro de restaurante onde deveria estar escrito o cardápio do dia: “Prato executivo”. Porra, isso muda tudo eim. Até eu que sou um muleque de recados de motocicleta gostaria de me fingir de granfino, levantar o dedo e pedir: ‘Um executivo, por favor’. Este é um exemplo de como os adjetivos também são mal-usados por pessoas que imaginam que o mundo simpatiza com os executivos. Olha o abismo que existe entra Prato feito e Prato executivo. O rapaz é estagiário do escritório, passa o dia passando fax e tirando Xerox, mas na hora do almoço ele se transforma no Executivo. Algum estudioso da semiótica deveria fazer um estudo mais amplo sobre o léxico do capitalismo contemporâneo.
Outra grande descoberta da publicidade e propaganda, como bem o Rafa já havia comentado é a tendência ‘Universitária’. O século 21 nasceu universitário. Contem comigo: é forró universitário, restaurante universitário, futebol universitário, prato universitário, o meu caderno desde o maternal é universitário, cadeira universitária, blábláblá universitário. Que obsessão é essa por ser universitário. Porque essa tara pelo adjetivo universitário?! Não é tão difícil assi pertencer à seleta casta dos universitários, dá uma chegadinha ali na Uninove, que você faz sua matricula pagando duzentos reais e parcelando por dez anos.

Porra, ce tem uma coisa que me intriga é o uso abusivo desses adjetivos pra botá o senso comum no bolso. Eu fico puto da vida, literalmente.
Mas o que será que deve ser ficar ‘puto da vida’, LITERALMENTE?

Cobrem da Karina um próximo post sobre o bom uso do ‘Literalmente’.
E arrumem um bom adjetivo pra esse postzinho aqui.

__________________________________
Pra visitar o blog do Bruno Medina
Pra visitar o blog do Hissachi
Pra visitar o blog da karina
.

Toca, Mallu

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Tinha eu ainda umas três coisas pra falar daqui até entrar 2009: sobre o Fim de semana, sobre minha carreira de Ghost raider, e sobre a simpática e controversa figura de Mallu Magalhães. Interessante que quase a unanimidade dos meus amigos todos tem ojeriza ou desconfiança à essa grande carta na manga da Emitevê em 2008.
Vocês conhecem a história: a guria em vez de ganhar uma festa de aniversário, pediu a grana e com ela gravou algumas músicas que tinha composto no violão. Tudo bem, qual é a porcentagem das garotas do Brasil que têm o privilégio de dizer pros pais e pros avós: ‘Gente, não quero a festa, me dá a grana que eu vou ali gravar umas canções’?
Devidamente gravadas no estúdio Lúcia no céu (Lucy in the Sky With Diamonds, ligou?), ela pôs as músicas no seu espaço e transeuntes nerd’s indies desocupados daqui e da Inglaterra acessaram descontroladamente o site, daí o dono do myspace notou que aquela página tinha mais do que um acordezinho bonito. Ora, notem como a tecnologia do século 21 permite que os artistas praticamente já nasçam no mainstrean. Do http:// pras ondas da MTV foi um clique.
Imaginem vocês se nem o Lobão nem os Titãs pestanejaram em ir gravar por aquelas bandas, se uma menina recém aparecida não iria. Foi, vai e continuará indo e aparecendo por lá quase todos os dias. Mas não é isso que importa.

Mallu, bem como o engavetado Felipe Dylon, vem da high society, e tem gente muntada na grana por trás dela, mas o que eu quero pôr entre aspas aqui é o que ela pode representar em termos de música, de criatividade, de um suposto novo cenário para a música tupiniquim nessa pós-modernidade. Aceitem senhores, numa análise primeira e superficial, Mallu Magalhães é no mínimo um fato novo na música nacional.

O grande X do dossiê Maria Luiza Magalhães é o fato de ela ter apenas 16 anos. Por onde quer que vá vai ter gente fazendo a ressalva: Ela tem apenas 16 anos! Isso não é tão importante, mas tem sua relevância. Nas paradas de sucesso aos 16, quero crer que com 21 ela esteja fazendo coisas ano luz mais interessantes das de agora.

O que eu acho foda, não nela, mas no som que ela faz, e como não se pode separar essas duas coisas, porque não dizer nela mesmo, o foda é a temática toda coloridinha dela. Isso chega a ser e é infantil, pré-adolescente, lúdico, um arco-íris desenhado de canetinha numa folha de sulfite azul-gracinha. Mas ela faz isso bem, longe de qualquer clichê. Veja os trechos:

“Eu seguiria o realejo, desenharia o que eu vejo no meu cereal”

“Eu já contei demais, as imagens que eu achei e as letrinhas dos jornais”

“Sol que me lembra meus sonhos de infância..”

"A minha meia colorida.."

"A minha banana amassada, minha descupa esfarrapada"

Nada mais coerente com a franja da Mallu do que esse mote do cereal, dos recortes e colagens com letrinhas e imagens do jornal, da coisa toda da infância. Diz-se à boca miúda que o livro de cabeceira dela é o ECA.

É claro que a menina é influenciada pelo povo do folk, Bob Dylan, Jhonny Casch, e a falta de uma veia mais latina me deixa um tanto carente, mas ela está começando a permear por esse caminho. No cd ‘novo’, cuja capa é um desenho meiguxesco de um leãozinho, as versões originais do myspace foram modificadas, de forma que as mais folk ficaram meio forçosamente os gemidinhos da Janis Joplin, mas bróder, a gente tem que agüentar coisas como Jota Quest, porque tamanha implicância com uma ninfetinha ameliezada que inventa palavras como Tchubaruba?!
Se tocar Mallu eu canto junto.
.

Sem luxo, descalço

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008













__ Às vezes eu acho que
Todo preto como eu,
Só qué um terreno no mato
Só seu,

Sem luxo, descalço, nadar num riacho
Sem fome,
Pegando,
As fruta no cacho

E eu que, eu que
Sempre quis um lugar,
Gramado e limpo, assim, verde como o mar
Cercas brancas, uma seringueira com balança
Disbicando pipa, cercado de criança

__ Ho, Oh Brow
Acorda sangue bom,
Aqui é Capão Redondo tru
Não Pokemon,

Zona Sul é invés, é stress concentrado,
Um coração ferido por metro quadrado

Ei truta, é o que eu acho,
O que eu quero também
Mas em São Paulo
Deus é uma nota de 100
.

Profissão: perigo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008













É difícil eu começar escrever um texto pelo título. A regra é escolher o nome depois de terminado. Este não, o título do que eu quero dizer é justamente este.

Já ouvi de algumas pessoas que eu não tenho cara de motoqueiro. Meu patrão diz que eu sou um motoqueiro de luxo, afinal não há muitos de nós cursando ensino superior. Realmente eu enchia muito mais a boca pra dizer que estava dando aula no cursinho da Unesp ('nossa, e você dá aula pro pessoal de terceiro colegial?! e eles te respeitam?').
Dizer "tô trabalhando numa farmácia, entregando medicamentos" não soa muito glamouroso, mas a pose, a pompa e a circunstância não me interessam por hora. A época da Paschoalotto quis me convencer que pra ganhar algum dinheiro tem-se que fazer o sacrifício de perder algumas horas do dia. A minha teima maior com o pessoal do headfone era ter que entrar por aquelas portas e praticamente não viver por 6 horas, debaixo de um ar-condicionado, entre duas divisórias, na frente de um computador, feito um credor de uma coisa que nunca vendi.
Ser motoboy, ou no meu caso, estar motoboy, é justamente o inverso disso. Você está na Bela Vista e nos dez minutos seguintes está no Mary Dota, e depois no Estoril. Vendo a vida acontecer, a cidade funcionar, o sinal abrir pra você.

Um dia, quando eu ainda era um headfoner, fui fazer aula de carro de manhã, e tinha que voltar pra trabalhar. Saindo do centro de treinamento um moto-táxi me perguntou se eu precisava de uma corrida. Eu, que já ia ligar pro meu pai, disse que sim. No meio do caminho ele me disse que tinha que parar pra abastecer. Parou no posto, conversou com o frentista, cumprimentou outras pessoas, voltou sorrindo e me falou: "vamo lá."
Pensei eu com minha camisa social, esse é um cara que sabe o que é a vida. Ele não fica entre 2 divisórias cobrando pessoas que nunca viu na vida. Ele anda pela cidade, conversa com as pessoas, dá informações, ouve piadas novas, olha a bunda das universitárias atravessando a faixa de pedestres. Aquele dia eu descobri que o mototáxi é o conhecedor da existência urbana. Só ele e mais ninguém.

O motivo primeiro de eu ter entrado nessa foi pensando nessas férias: três meses de ócio em casa me deixariam caduco. Dois: o dono da farmácia me conhece desde que eu tenho 3 anos. Três: o salário é praticamente três vezes o que eu ganhava no cursinho. Não que eu seja mercenário, mas realmente a função me interessava.
Estar na rua o dia inteiro, indo levar o analgésico pra dor do povo realmente é uma experiência, dessas que não se tem outra chance de ter se você não agarrar logo, mesmo que ela seja estranhíssima aos olhos do senso comum. Quantas e quantas vezes eu não pensei que ia me arrepender irremediavelmente de largar a bolsa do cursinho e não me adaptar ao ofício de dizer 'isso, só dá um vistinho pra mim aqui', 'é, dá um autógrafo aí em baixo', 'tem que pegar a receitinha né?', 'isso, depois a senhora vê com o Wiliam certinho'. Hoje faz dois meses que eu to dizendo "Brigado eu!", e me faz bem escrever essas mal traçadas linhas por saber que eu sou o cara que anda pela cidade conversando com as pessoas, trombando com outros motoqueiros na Rodrigues Alves, abastecendo e dizendo Brigado amigô.
Mas talvez o melhor disso tudo seja ouvir de velhinhas coisas como:
__"Esse realzinho é prucê"
__"Tchau Jorginho, brigado filho. Cuidado com essa moto eim menino!"
__"Obrigado filho, vai com Deus."

Amém.
.