Vai morrer gente Capitão

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Essa semana eu tava no centro me esforçando pra não querer gastar o dinheiro que tinha na carteira, mas não deu. Os objetos de desejo e consumo eram dois dvd’s piratas: um do The Doors e outro do documentário Ônibus 174. Eu tava atrás desse último há um tempaço. O diretor dele é o José Padilha, o mesmo de Tropa de Elite. Só que o ‘Ônibus 174’ é de 2002, bem anterior ao Tropa de Elite, que por sua vez é um longa de ficção. Ficção que se pretende bem real, ou não nos fizeram acreditar à toa que os cavera andam enfiando cabo de vassoura no cu da mulecada por aí.


É foda achar legal esses filmes que mostram desgraça, mas a desgraça que esse tal Zé Padilha e o Sérgio Biachi fazem é diferente das fotos do Sebastião Salgado, por exemplo. Um filme sobre desgraça, sobre tragédia urbana, te faz refletir e considerar o quanto aquilo é real e de fato é uma mostra de como vivem certas pessoas. O Sebastião Salgado tira fotos, muito bem tiradas é verdade, da desgraça alheia, e quem consome essas fotos? Um livro do cara custa mais de cem reais. Quem é o burguês que paga mais de cem reais pra ver miséria e pensar ‘puxa, quanto talento’, ou ‘nossa, a pobreza tá matando gente’. Daí ele pendura na parede o retrato da miséria, como arte. E as dondocas que vão na casa dele acham ‘bárbaras’ as fotos daquele careca que só fotografa contra a luz. Bárbaras pelo talento ou pela desgraça? Eu particularmente acho a fotografia desse cara no mínimo um contra-senso, um paradoxo, uma inconclusão. Denúncia? Denunciar pra quem? Denunciar a pobreza pra classe média se ela vai pendurar na parede? Os chamados filmes brasileiros, que só mostram putaria, palavrão e tiro, tem um impacto diferente desse. E não me venham com esse papo derundê de que arte é tudo e tudo é arte.

Ao contrário da história daqueles homens de preto que invadiram o ruim de invadir morro do Dendê, Ônibus 174 trata de uma história real. Fato verídico e bem singular. Eu lembrava mais ou menos da história:
Dia 12 de junho de 2000, um ônibus é tomado no Rio de Janeiro em plena luz do dia, e olha que a luz do dia naquela cidade não é pouca. O sequestrador devia ter cheirado no mínimo uns três quilos de pó, daquele tipo A. A singularidade da parada toda é que o cara sequestrou um ônibus [?], não sabia bem o que queria de resgate, isso tudo no fim de tarde de uma avenida movimentada do Jardim Botânico. Isto é, o que não faltava era câmera de tv e apresentador com seus programas de plantão ao vivo dizendo a hora, o local e a razão.
Depois de tudo acontecido faz-se um documentário, de um sequestro que durou 4 horas e meia, e isso não é pouco material. Material da vida real meus jovens, como disse o Zeca Baleiro, Favela não é hotel, vida não é novela.
Pra mim que não lembrava como aquilo tinha terminado, assistir o documentário foi tenso. Um suspense desses angustiantes. E uma das coisas que deixaram a parada muito bem feita foi o resgate da história do Sandro do Nascimento, o sequestrador insano e mal resolvido. O cidadão foi morar na rua depois de ver a mãe ser esfaqueada, e o filme deixa bem claro como esse fator foi determinante nas merdas todas que ele foi fazendo depois disso. Daí aparecem uns sociólogos falando desses meninos de rua, que nós, ‘a sociedade’ [e a sociedade começa na sua testa] fazemos que não vemos, são guris invisíveis. E é bem verdade. Eles não tem personalidade, são todos ‘meninos de rua’, e não ‘meninos na rua’. A rua pariu todos eles.
E eis que um desses muleques, sobrevivente da chacina da Candelária, rompeu a clandestinidade e tomou a cena da pior forma possível. E, como vida não é Malhação, não foi nos estúdios do Projac.

Achei o documentário fodaço porque ele projeta esse debate que é universal. A desgraça pós moderna dos países desenvolvidos, a violência. Você pode dizer que é a fome, o desemprego, o sub-emprego, e mil coisas, e são de fato. É muito comum a gente ouvir críticas à sociedade capitalista, mas o que vem a ser o grande câncer da sociedade capitalista senão a concentração de renda, ? E a anestesia desse câncer senão a redistribuição dela? Claro que não é simples assim, mas se ese não é o fim da história é no mínimo o começo do fim. Talvez o que nos falte nesse século 21 é algum tipo de Robin Hood. E definitivamente ele não é o Obama.
Uma das coisas que o Tropa de Elite deixa de mais forte é o tamanho da idiotice que são as campanhas e caminhadas paz e amor pelo fim da violência. Como se as pessoas fossem personagens do Camilo Castelo Branco, fadadas definitivamente ao bem ou ao mal. Como se as pessoas por algum motivo, fosse lá praticar a violência gratuitamente. E aqui eu chegamos na outra ponta da questão, que trata a música Banditismo por uma questão de classe, do senhor Chico Science. Ninguém rouba por hobby meu amigo, a não ser aquele Rabino das gravatas.
Se eu for ficar falando de tudo isso escrevo um Novo Testamento de novo, então assistam o Ônibus 174. É documentário, e é do José Padilha, não confundam com ‘Última Parada 174’ que é ficção e é do Bruno Barreto. E durmam pensando no verso ‘Há um tempo atrás que eu via televisão’, que talvez ele tenha uma ironia jamais encontrada em outro momento da música brasileira pré ano 2000.

Há um tempo atrás se falava em bandidos
Há um tempo atrás se falava em solução
Há um tempo atrás se falava em progresso
Há um tempo atrás que eu via televisão
[...]
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido
[...]
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por uma questão de classe
Banditismo por uma questão de classe

4 comentários:

gabriella; disse...

Tu comprou o DVD Pirata?
Lá no Tropa de Elite relembram que DVD pirata é crime, aliás, taí um filme que induz uma série de formações de opinião...
uma delas é essa mesma que tu se utilizou a do "passeata não serve de nada" e é uma das mais repetidas, uma das que mais pegaram (porque antes do filme, ninguém tinha nada contra passeata, ou se era a favor, ou ignorava a existência delas, mas não era contra...)

só que aí no mesmo filme disse que tu não devia comprar filme pirata e tu compra?!

gabriella; disse...

ah sim, eu esqueci de dizer que eu odeio tropa de elite.
e não tenho nada contra quem compra dvd pirata, tudo contra quem usa essa bosta de filme como bíblia.

- tudo que foi dito lá é a VERDADE UNIVERSAL criada por DEUS, e aquele é o retrato mais fiel da polícia do rio, dos usuários de drogas, das favelas, das ongs em favelas, dos traficantes... enfim.

mas o documentário 174 é legal. afinal, não é ficção, e eu me sinto muito mais confortável podendo pensar sozinha a respeito das entrevistas - do que algo que te enfiam garganta abaixo maquiado numa boa obra cinematográfica.

Marina disse...

I fucking discordo de tudo... !!!!

Ch3d... disse...

puta a mina justifica o nome
^^
estranha pra cacete