
Certa vez, numa dessas barrigas gestantes, formava-se um rapaz. A família inteira acompanhou centímetro a centímetro aquela gestação e tava todo mundo muito ansioso para conhecer o tal cara de joelho.
Chegado o dia do parto, todo mundo na sala de espera e então se começou o serviço de parto: médicos, enfermeiras e toda aquela parafernália de bisturis, como se parir fosse uma atitude compulsória.
E eis que vinha o meninão. A família tinha ficado de ressaca dez anos desde o nascimento da sua irmã, a tal primogênita. E quando ele saiu da barriga da mãe, se deparou com toda aquela gente de branco, esperando um recém-chegado berrante, como é de costume. Mas eis que saiu bocejando, com cara de funcionário público:
___ Vamo lá gente. Podem continuar com os procedimentos de rotina. Limpar, pesar, me dá de mamar, vamo, vamo, quero ver isso aqui acontecer.
Ele na real não tinha tido aquela crise existencial antes da existência que todos os bebês invariavelmente têm no ventre da mãe. Nunca ao longo destes intermináveis 9 meses ele se perguntou se haveria mesmo vida após o parto. Aliás, achava aquela frase um clichêzaço imperdoável. Não tinha tido um minuto de expectativa otimista quanto ao que viria, fosse lá o que viesse.
O único sinal de otimismo que aquele ser teve foi desejar com todas as forças que lhe restavam que depois de ser parido houvesse um mundo e uma vida onde ele pudesse fazer alguma coisa além de boiar.
Se sentiu muito bem quando o colocaram na balança, limpo, e finalmente foi mamar. Não agüentava mais ser abastecido sem que pudesse gostar ou não. O útero definitivamente não era o melhor lugar do mundo, e que saco era ficar daquele jeito, como um contorcionista, sem platéia, sem aplauso e sem nenhum reconhecimento de sua existência torta.
Mamou, mamou e arrotou. Arrotou, achou graça, até soltou um ‘hehe’ satisfeito, e se desculpou com os presentes: seu pai, sua mãe e a enfermeira, que a essa altura não se surpreendia mais com as atitudes de um bebê que só queria um pós-natal mais divertido.
De noite no berçário, enquanto todos os bebês dormiam, ele refletia. Queria saber por que todos eles dormiam tanto e tão bem, já que ele não conseguia dar um cochilo. Resmungou sozinho o azar que era ser um recém-nascido insone.
De repente um dos seus vizinhos de berço acordou. E ele já previu, apocalíptico: ‘Ah nãaao!’. E então veio o escândalo: “Uaaaaá...” Algum tempo depois aparecia a mulher que sempre pegava os chorões da madrugada e levava para as suas respectivas tetas.
Ele ficava indignado, e não entendia como esses caras podiam ser tão covardes. Era só sentir fome no meio da noite e abriam o berro, não por protesto, mas por chantagem. Algum tempinho depois o chantagista voltava desmaiado em sono profundo. Indignado, ele cochichava pra si mesmo, ‘satisfeito agora né ôoo, palháço’.
Ele não. Mamava nos horários antes das refeições dos adultos, afinal não tinha motivos para não se consider um não-adulto. Sabia a hora que a enfermeira trazia as refeições da sua mãe, e antes disso em vez de armar o berro, soltava um incomodado “Ahn Han’, e já via ela dizer pra enfermeira: ‘Pega o meu pra mim’?
E assistia, tedioso, a enfermeira vir buscá-lo com aquela cara de Titati bitati, super radiante. Dizia pra si mesmo, com aquela personalidade centenária:
___ Sáco.
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4 comentários:
Eu sempre soube que você tinha uma bela história sobre sua vida pra contar, filósofo da zona
Simpático desde sempre, Jorginho.
Digo e repito: não vou ter filhos. Crianças são más!
Imagine quando tiver 90 anos mesmo.Ou 180...
Não falo nada.O chato e o ranzinza de casa sou eu.
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