Guarda pó

sábado, 20 de setembro de 2008

Saiu pelo portão de grade às dez pra sete da manhã, e encontrou a rua calma, ainda querendo acordar. Com a bolsa a tiracolo, André entrou no mesmo bar com toldo de ferro que entrava todos os dias àquele mesmo horário, e encontrou o mesmo jornalista engravatado dando as mesma notícias que seus ouvidos já estavam mal-acostumados de ouvir, seis dias por semana.
Orácio, o balconista calvo com seu guarda-pó azul leu no indicador levantado que ele queria um café. Não se atreveu a dizer nem 'um cafézinho?!', porque já sabia há uns meses que aquele freguês não era de muita prosa. Pelo menos não nas primeiras horas do dia.
Depois de servir continuou enxugando seus copos americanos, enquanto o freguês bebia calado o café, olhando concentrado pro lugar nenhum à sua frente, com a voz do homem do tempo matutino soando ao fundo no seu ouvido distante. Segundo o mesmo, o tempo continuaria nublado, bem como estava desde a última terça-feira de cinzas.
André não ouvia nem a voz grave do repórter, nem o ronco da moto com o escapamento aberto, que acabava de rasgar a rua em sentido ao centro. O cara da moto era o rapaz que pegava o jogo do bicho, evidentemente que não estava em sua função habitual, se é que ele tinha uma função habitual. Seu ouvido estava mais preocupado com a fumaça do café do que com qualquer outro barulho.
Colocou o copo no balcão e olhou pro relógio de aço prata. Sabia que dali a exatos vinte minutos deveria estar dentro da sala de aula. Com os mesmos 36 alunos de todas as manhãs, no auge de seus mimados 16 anos.
Estava pensando naquele minuto em figuras como Orácio, que estava atrás dele agora tirando o suco das laranjas num espremedor barulhento, e como seu Samuel, porteiro da escola, que todos os dias acordavam antes de todos os escapamentos abertos para colocar a cidade pra funcionar. Antes mesmo de se ligarem os espremedores barulhentos, e dos homens do tempo sentenciarem catastróficas nuvens sem chuva.
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2 comentários:

Karina disse...

uma vez eu li que a magia não está no acontecimento, e sim na maneira de percebê-lo e compartilhá-lo com alguém.
mas no final isso nem pode ter acontecido. quem sabe?
belo post, Georgy!

Mayara disse...

dia 20 de setembro foi um dia produtivo.
você está aprendendo o que é ser subjetivo e semi-hermético.
passa lá no último romance e saiba como aperfeiçoar esses pontos!