Depois de pirulitar pelo campus eu fui atrás de um gole de café na sala do Observatório. Havia algumas pessoas por lá, pelo jeito tão de passagem quanto eu, conversando com seus pares, contando mentiras, trocando referências bibliográficas e simulando amplo domínio sobre alguma área do conhecimento. A Flávia era quem contava para a Neuza que estava fazendo uns
freelas: escrevendo textos pra internet em troca de dinheiro. O dinheiro, segundo CARNEIRO (2010), é a nossa mediação universal com a realidade. Me pareceu um bom negócio esse de produzir textos em troca de algum, já que a minha relação com a realidade estava bastante desprovida de reais.
Então que a Flávia me indicou o caminho, eu fiz o teste e comecei a escrever textos pra uma pessoa que não conheço. Ela por sua vez os vende para outras pessoas que supostamente os postam em algum lugar da internet. Não sei, essa foi a informação que me deram, a verdade é que algumas vezes por mês eu recebo um e-mail pedindo alguns textos, eu os faço e no dia 10 cai na minha conta uma pequena quantidade de dinheiros, que já me ajuda a tocar a vida seca de bolsista que levo.
Os temas dos textos são os mais variados e improváveis. Já me passou pela cabeça que esse lance de que eles são pra internet é uma puta lorota. Imagino que na verdade há uma dúzia de senhores de terno em volta de uma mesa se divertindo com o produto de suas absurdas encomendas. Por exemplo, eu que tenho 21 anos, pertenço ao gênero masculino, sou heterossexual e bauruense já fui solicitado para escrever um lote de 3 textos sobre: Fazer as unhas, Celulite e Escova de cabelo. O que eu fiz? Precisava dessa grana companheiro, lá fui eu pelas ondas da internerd dissertar sobre como fazer uma boa escova, mesmo sem fazer a mínima idéia do que fosse uma:
Quanto mais liso, maiores poderão ser as mechas, quanto mais crespo, menor deve ser o tamanho delas. Separadas as mechas, acompanhe com o secador da raiz até as pontas, tomando o cuidado para que todas recebam o mesmo tratamento, primeiro as da frente e depois as de trás. Repete-se o procedimento até acabarem as mechas. Ao final é interessante dar um jato de ar frio com o secador, para dar mobilidade aos fios.Quem aí não jura que esse texto não foi escrito por alguém da produção do Um dia de Princesa? Não respondam! Bom, eu continuo recebendo alguns pedidos, mês passado foram dez textos no total, sinal de que as abobrinhas que escrevo são minimamente aceitáveis. Os temas é que fodem com a gente, pois eles podem ser sobre determinado modelo de carro, passando pelo turismo na Nova Zelândia, dia do radialista e até cuidados necessários com as lentes de contato.
E vou seguindo assim, dissertando longamente sobre assuntos que desconheço.
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